O ELEITOR EM CONSTRUÇÃO
...Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão, porém, que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
(O Operário em construção - Vinícius de Moraes)
Era ele que como um vício
Sempre em época de eleição
Ia às urnas com sacrifício
Para eleger o patrício
Que seria seu patrão.
No entanto, não sabia
O que tinha em sua mão:
Não fazia nem ideia
Que um voto na assembleia
Muda os rumos da questão
Nem tampouco ele sabia
Que o eleito lhe negaria
Seu direito à liberdade
De ter voz e expressão.
Em verdade, como podia
Um eleitor em construção
Compreender porque seu voto
Valia mais do que um pão?
Nas eleições ele votava:
Vereador e prefeito escolhia
Quanto ao pão, ele o comia.
Mas fosse comer seu voto!
No entanto, o eleitor ia
Às urnas, faceiro e pacato,
Dar um voto de confiança
Ao pilantra candidato
Que o esqueceria de pronto
Tão logo passasse a eleição
Considerando ralé e bronco
O eleitor em construção.
De fato, o eleitor não sabia
Da dimensão de sua bisarma
Não sabia que tem no voto
Sua mais perfeita arma.
De modo que, certo dia,
(Era época de eleição!)
O eleitor foi tomado
De tão súbita emoção
Ao perceber maravilhado
Que tudo na sociedade
- Água, esgoto, lixão...
Do seu voto dependia
Ele, um singelo eleitor,
Um eleitor em construção.
Olhou em torno: hospital,
Trabalho, transporte, iluminação
Pública, assistência social,
Lazer, saúde, educação!
Tudo - que precariamente existia -
Do seu voto dependia
Ele, um simples eleitor
Que, no entanto, não sabia
O poder da profissão.
Ah, filósofos de estante
Nunca sabereis o quanto
Aquele singelo eleitor
Soube naquele instante!
Naquela sociedade fria
Da qual ele participava
Um novo mundo se erguia
De que sequer suspeitava.
O eleitor extasiado
Com carinho olhou sua mão
Sua rude mão de eleitor
De eleitor em construção
E olhando-a de frente
De relance teve a impressão
De que das coisas do mundo
Era ela a mais potente.
E dentro da compreensão
Desse instante indolor
Tal qual sua construção
Cresceu também o eleitor
Cresceu em todos os sentidos
Alto, largo e profundo – no coração.
E como tudo o que cresce
Ele não cresceu em vão
Aprendeu naquele dia
O poder da profissão
E, de quebra, aprendeu, ainda,
Outra nova dimensão:
A dimensão da poesia!
E como rastilho de pólvora
A nova se espalhou
O que o eleitor dizia
Outro eleitor escutou.
E foi assim que ele,
O eleitor em construção
Que sempre dizia ‘sim’
Passou a dizer ‘não’
E aprendeu a ver as coisas
Com mais cautela e atenção:
Notou que sua carne de segunda
Era o filé mignon do patrão
Que seu contracheque magro
Era a conta gorda do patrão
Que seu uniforme ridículo
Era o terno do patrão
Que sua casa-quase-caindo
Era a mansão do patrão
Que sua velha bicicleta
Era a limusine do patrão
Que seu trabalho comprido
Era a preguiça do patrão
Que sua fadiga estafante
Era amiga do patrão.
E o eleitor disse: Não!
E o eleitor se manteve forte
Em sua resolução.
Como já deveis imaginar
Os puxa-sacos de plantão
Começaram a buzinar
Nos ouvidos do patrão
Mas o patrão assim dizia:
“Não quero preocupação!
Convençam-no, é favor.”
Ele falava sobre o eleitor
E ao falar isto sorria.
Dia seguinte o eleitor
Que passou a dizer ‘não’
De súbito foi cercado
Dos puxa-sacos de plantão
E sofreu – predestinado -
Sua primeira agressão.
Cuspiram-lhe o rosto sofrido,
Seu corpo foi machucado
Mas ao ser interrogado
O eleitor disse: ‘Não!’
Em vão sofrera o eleitor
Sua primeira agressão
É certo que outras seguiram
E muitas outras seguirão.
Porém, sua consciência
De eleitor em construção
Mais e mais se expandia
E seu triste sofrimento
Era o dimensionamento
Da alma que então crescia.
Percebendo que a violência
Não dobraria o eleitor
Certo dia o seu patrão
Outra tática usou
E em se aproximando
O grande dia da eleição
Nos jingles das propagandas
As benesses da administração
Mostrou ao caro eleitor
Com esta declaração:
- Dar-te-ei todo este poder
De bandeja em tua mão
Pois a mim me foi entregue
Então o dou a quem quiser.
Terás boa vida: lazer,
Muita farra e mulher
Portanto, tudo o que vês
Será teu se te aliares
A mim e abandonares
Esta besteira de dizer não.
Dizendo fitava o eleitor
Que - olhar distante - refletia,
Mas o que via o eleitor
O patrão jamais veria.
O eleitor via a saúde
Na UTI dos hospitais
A clamar por dignidade,
Por respeito e muito mais.
Via as verbas desviadas
Para o bolso do patrão
E em tudo aquilo que via
Misteriosamente havia
As marcas de sua mão.
E o eleitor disse: Não!
- Loucura! – xingou o patrão
Não avalias o que te dou eu?
- Mentira! – disse o eleitor
Não podes dar-me o que é meu!
E uma consciência nasce
Dentro do seu coração
Uma consciência política
De parceria e união
Uma consciência cheia
De respeito ao cidadão
Uma consciência firme
Pra vencer a solidão
Uma consciência digna
De arraigar a maldição
Uma consciência honesta
Pra encontrar a solução.
E o eleitor ouviu a voz
Dos eleitores, seus irmãos;
Daqueles que já morreram
Por outros que viverão
E então se agigantou
No poema e na canção
E, no grande dia, nas urnas,
Selou a sua decisão
De singelo eleitor esquecido
Decisão, porém, que fizera
Em eleitor construído
O eleitor em construção!
Melgaço, Pará, Brasil, 7 de outubro de 2012.
Composto por Léo Frederico de Las Vegas.
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Contrafactum do poema "O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO" de Vinícius de Moraes.