A POLÍTICA DO DESCASO: O VOTO COMO UM NÚMERO
A política, na essência de sua definição, deveria ser a representação dos anseios e necessidades de uma sociedade. Contudo, no cenário atual, a prática parece ter se distanciado perigosamente de sua teoria. Eleições, que deveriam ser momentos de celebração democrática, transformaram-se em um ciclo previsível de promessas vazias e, o que é mais preocupante, de negligência para com aqueles que, com seu voto, legitimam o poder dos eleitos.
Logo após a euforia da posse, muitos políticos parecem adotar uma postura de indiferença em relação aos seus eleitores. Esses eleitores, que deveriam ser os destinatários das ações e políticas públicas, tornam-se, na prática, invisíveis. Tornam-se meras estatísticas, números em gráficos e porcentagens, que só voltam a ter relevância em épocas de novas eleições.
Essa invisibilidade dos eleitores durante o mandato é alarmante e reflete um ciclo vicioso que alimenta o descrédito na política. Após as eleições, muitas vezes, as demandas populares são ignoradas, e as promessas de campanha caem no esquecimento. O contato com a população, essencial para um mandato representativo e justo, se torna raro ou inexistente. O político eleito, em vez de ser um servidor público, assume o papel de figura distante, cujas ações muitas vezes servem a interesses privados ou partidários, em detrimento do bem comum.
O cenário se agrava com a proximidade de novas eleições, quando, de forma quase mágica, os eleitores reaparecem na agenda dos políticos. A busca por votos transforma-se novamente em prioridade, e, para isso, recursos públicos são empregados em obras e projetos de última hora, que muitas vezes não têm continuidade ou impacto real na vida das pessoas. O eleitor, mais uma vez, é tratado como um número, necessário apenas para garantir a manutenção do poder daqueles que já demonstraram descaso.
Esse ciclo não é apenas um problema ético, mas também um entrave ao desenvolvimento social e econômico. Uma política voltada apenas para a manutenção do poder, desprovida de compromisso real com a população, não consegue gerar mudanças estruturais, perpetuando desigualdades e injustiças. Além disso, mina a confiança da sociedade nas instituições democráticas, enfraquecendo a participação popular e fortalecendo discursos autoritários e demagógicos.
A solução para esse problema passa por uma profunda reavaliação do papel do político e do eleitor na sociedade. É necessário que os eleitores sejam vistos e tratados como cidadãos ativos, com voz e poder de decisão ao longo de todo o mandato, e não apenas como instrumentos para a conquista de votos. Para isso, a política precisa ser resgatada como um espaço de diálogo constante e verdadeiro, onde as demandas populares sejam ouvidas e atendidas com seriedade e transparência.
Por fim, cabe aos eleitores exigirem essa mudança, cobrando de seus representantes o compromisso com uma política que valorize, respeite e atenda às reais necessidades da população. A democracia só se fortalece com a participação ativa e consciente de todos, e é essa participação que pode romper o ciclo de descaso e devolver à política seu verdadeiro significado.
Conclusão
A política do descaso, marcada pela indiferença dos eleitos após o voto, é um ciclo que perpetua desigualdades e mina a confiança nas instituições democráticas. Para romper essa cadeia de negligência, é imperativo que os eleitores sejam mais do que números: eles devem ser cidadãos ativos, com poder e voz ao longo de todo o mandato. A responsabilidade pela mudança não recai apenas sobre os políticos, mas também sobre a sociedade, que deve exigir um compromisso real com suas necessidades. Somente com uma participação consciente e contínua dos eleitores, a política pode recuperar seu verdadeiro propósito: servir ao bem comum e fortalecer a democracia.
Belém, Pará, Brasil, 19 de agosto de 2024.
Composto por Gilberto Priante Tavares
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